domingo, 12 de abril de 2020

vês os carrafuços da moto, mamá?
sem eles as rodas caem
e se caem as rodas
caio eu
e manco-me
e cecais chove, ou nom,
pois som dura
e somente o sono
pode fazer que o pranto
seja inconsolável

quem ia dizer
que uma verba tam própia do avó e da avoa
ia ter uma segunda
e tam longa vida...

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velaí vem
a senhora velutina
coas suas madalenas
e fundas ganas de falar
pois sente que as asas
já nom agarimam o vento coma antes
e os seus olhos melancólicos
tecem verbas de recordo
mentres ti, pequena Luz,
cheiras uma laranja recem caída
que sugarás num ritual
que lembrará almorços e merendas
na velha casa de Trelherma

amém

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ti nom estás
minha pequena, nom,
mentres sobrevoa os meus pensamentos
um aviom na noite,
é o mundo que agoniza e sofre
e preguntas polas avoas e polos avós,
e polo padrinho, e Pat, e Manuel e Lois,
e polas amizades primeiras da escola,
e Marta, e tudas as demais (ate polo pediatra!)
que albiscárom e prendêrom
nos teus doces olhos e espelida memória

e sonhas com volver á cidade do tubarom,
e mais á dos capuchinos, titis e a gram ursa,
quem olhava o teu prácido amamentar,
e á tua casa de longe,
onde aprendeste a dizer bom joueur e merci
e subir ao metro na gram urbe do sur
onde o bacalhau é religiom

ti nom estás
minha pequena, nom,
mentres caem pouco a pouco
os meus olhos no olvido,
é o mundo que sempre nos foi indiferente...

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cozinhas terra
com arrincadas ervas
aos caracois

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longas minhocas
e efémeros castelos
no lusco e fusco

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rubes as escaleiras
e ensaias os primeiros números
berras de ledícia
cada vez que a Lua,
o vermelho, o gigante ou o Luzeiro,
aparecem no ceo entre as nuvens
fitas em siêncio
quando ouves trabalhar ás abelhas
ou namorar aos paxaros
e nom perdes detalhe
do soar diferente dos artefatos do ceo
ou dos que andam na terra
e metes as mans na cozinha
com curiosa e impaciente vontade
pra torcer o fuzinho se acaso nom há sopa
e começas já
a tirar das tábuas objetos
cum balom de qualquer tamanho
e escreves e coloreas
no teu particular idioma gráfico
e já destrues bloques
que agora já construes
e nim as teclas nim as cordas
parecem ter já segredos
no percutir dos teus passos de dança
e vás-me fazendo sentir
o demoniaco passo do Tempo
nesta noite de insónia
e morna saudade

Escrito em Trelherma na madrugada do 6 de abril de 2020